Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz
Ê vida boa, quanto tempo faz
Que felicidade
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai
Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás
Ê que vida à toa, vai no tempo, vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de crianca de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai
Assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambam da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já
Ê vida voa, vai no tempo, vai
Ah, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
Além do espelho...Quando eu olho meu olho além do espelho
Tem alguém que me olha e não sou eu
Vive dentro do meu olho vermelho
É o olhar do meu pai que já morreu
O meu olho parece um aparelho
De quem sempre me olhou e protegeu
Assim como meu olho dá conselho
Quando eu olho o olhar de um filho meu
A vida é mesmo uma missão
A morte é uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Sempre que um filho meu me dá um beijo
Sei que o amor do meu pai não se perdeu
Só de olhar seu olhar eu sei seu desejo
Assim como meu pai sabia o meu
Mas meu pai foi-se embora num cortejo
E no espelho eu chorei porque doeu
Só que vendo meu filho agora eu vejo
Que ele é o espelho do espelho que sou eu
A vida é mesmo uma missão
A morte é uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Toda imagem no espelho refletida
Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Todos tem qualquer coisa repetida
Um pedaço de quem nos concebeu
A missão do meu pai já foi cumprida
Vou cumprir a missão que Deus me deu
Se o meu pai foi espelho em minha vida
Quero ser pro meu filho espelho seu
A vida é mesmo uma missão
A morte é uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
Meu medo maior é o espelho se quebrar
João Nogueira